#10: Eu posso ser o que quiser. Minha mãe não
sobre ser a única da geração de mulheres da família que tem o poder de escolha
Dói muito pensar que minha mãe - avós, bisavós, etc. - nunca de fato teve a oportunidade de viver a vida que sonhou viver. Dói pensar que ela teve sonhos, assim como eu tive os meus na adolescência e tenho agora no meio dos meus vinte anos. Dói pensar que esses sonhos morreram e deram lugar a outra realidade: eu (apesar de também ter sido um sonho dela).




Aos 19 anos minha mãe fugiu de casa para morar com meu pai. Eles quase literalmente viveram de água de sal e amor nesses tempos. Mas, antes disso, a vida também não tinha sido fácil para minha mãe - como nunca foi para as mulheres da minha família. Na infância, como irmã mais velha, ela era encarregada de cuidar dos irmãos mais novos, limpar a casa e, claro, cozinhar. Bem normal uma criança de 12 anos fazer tudo isso (ironia).
Acredito que a fuga veio muito de uma convivência infeliz com meus avós. Um pai extremamente conservador, machista e rígido que não aceitava o namoro com meu pai, e uma mãe (narcisista) que não demonstrava afeto e amor e que, apesar de adorar o relacionamento dela com meu pai, não era uma boa mãe. Sair das rédeas do pai e ir para as rédeas de outro homem; de certa forma, liberdade (até um certo ponto).
Minha mãe não teve oportunidade de continuar os estudos e seguir a carreira de administração que ela sempre quis. Não conseguiu porque não existia muito apoio e condições financeiras. Na infância e adolescência, além de ter que fazer o trabalho de adultos, estudava, mas para isso era preciso enfrentar alguns quilômetros de bateira (tipo uma canoa, bem comum em famílias de pescadores), a pé, e depois ainda encarar o bullying dos colegas e a rigidez das professoras da época - eu me mataria por bem menos. Depois ela até conseguiu fazer um supletivo e terminar o ensino médio, mas as condições para seguir um curso superior eram praticamente nulas.
Em contrapartida, eu tive uma ótima infância e adolescência (no que se refere ao que ela poderia me oferecer). Acho que, inclusive, todo o amor e carinho que minha avó não deu para minha mãe na época, ela deu para mim. O medo de faltar algo para sua filha, como faltou para ela, fez com que ela se tornasse uma mãe incrível (mas óbvio, os pais sempre pecam em algo - no caso dela, foi o excesso).




Minha avó é analfabeta, se casou cedo com meu avô e continua com ele até hoje, apesar das turbulências. Sua mãe (ou mãe do meu avô, agora não lembro), minha bisavó, foi na contramão: separou-se do marido, meu bisavô, depois das inúmeras violências que sofreu nos anos de casada. A vida nunca foi fácil para as mulheres da minha família - assim como para todas as mulheres daquela época -, porque não existia bem o poder de escolha. Tenho certeza que elas escolheriam viver o que vivemos hoje.
Atualmente, moro sozinha em um apartamento em Florianópolis, próximo da Universidade. Já estou no final do curso de jornalismo, tenho um ótimo estágio e, no momento, estou solteira. As mulheres da minha família jamais pensariam na possibilidade de morar sozinhas, estudarem em uma Federal - meus pais jamais tiveram a oportunidade de pisar em uma Universidade - e de estarem solteiras depois dos 20 anos, sem depender de homem e podendo escolher o que querem fazer com a própria vida.
Quando penso sobre isso sinto uma mistura de sentimentos. Gratidão, pelo esforço deles, tristeza, pela possibilidade de uma vida diferente para a minha mãe, e felicidade, por poder proporcionar algo para eles. Inclusive, a primeira coisa que quero fazer quando me formar é entregar o canudo para o meu pai e minha mãe.



O que aprendi com as mulheres da minha família
Apesar de tudo isso, minha avó sempre foi a matriarca da família materna, e todas se parecem um pouco com ela, apesar de negarem. As mulheres dessa parte da minha família são assertivas, fortes e inspiradoras. Todas bem mães latinas.


Minha criação sempre foi muito feminina. Não que meu pai não tenha participado, mas acho que as mulheres ofuscaram um pouco os homens da família ao longo dos anos. Por isso, acho tão difícil conviver e me relacionar com homens hoje em dia - se bem que tá difícil pra todas né rs.
Mas, se tem algo que eu aprendi vivendo com elas foi:
Não acatar tudo que homem fala;
Manipular homem (importante essa);
Cozinhar (obrigada mãe);
Amar mulheres;
A importância de viver para si mesma e se bastar;
Se tem uma coisa que eu amo é pensar como seria a vida dos meus pais se eu não tivesse existido. Perguntei isso para eles na última vez que nos vimos e eles imediatamente responderam que seria triste (a resposta esperada). Mas acho que seria mesmo, até porque ter uma filha foi uma escolha deles durante dez anos.
Desse comentário e desses pensamentos, surgiu a ideia de escrever essa news. Depois de tanto tempo sem conseguir abrir o substack… voltei :)
Espero que tenham gostado da news de hoje! Beijinhos e boa semana!!